Desfazendo o Mito: O que Realmente Há nos Chamados “Óleos Ozonizados”
A Reação do Ozônio com Óleos Insaturados: Geração de Derivados Oxigenados e a Natureza das Atividades Biológicas Observadas
A reação entre ozônio (O₃) e compostos insaturados é um processo amplamente documentado na literatura química, sendo fundamental na geração de produtos oxigenados com variadas propriedades físico-químicas e biológicas. Quando aplicado a óleos vegetais ricos em ácidos graxos insaturados — como oleico, linoleico, e linolênico — o ozônio reage de forma específica com as ligações duplas presentes na cadeia alifática desses ácidos, dando origem a uma série de compostos oxigenados, com destaque para os triozonídeos, peróxidos e aldeídos.
A figura a seguir mostra como o ozônio reage com um ácido graxo insaturado genérico, rompendo a ligação dupla e formando triozonídeos e outros compostos oxigenados. Quando há presença de água, álcoois ou ácidos carboxílicos, um dos intermediários da reação (intermediário II) também pode interagir com essas substâncias, dando origem a hidroperóxidos (IV).

Figura 1. Representação da ozonólise em ácidos graxos insaturados.
No contexto dos chamados “óleos ozonizados”, é essencial esclarecer que o gás ozônio, enquanto molécula instável e altamente reativa, não permanece como tal na composição final do produto. O ozônio é totalmente consumido no processo de ozonólise, resultando em derivados oxigenados estáveis ou semiestáveis. Assim, a designação “óleo ozonizado” pode levar a interpretações equivocadas, sugerindo erroneamente a presença de ozônio livre no produto final. Esse entendimento errado tem causado resistência, especialmente entre profissionais da medicina e da farmacologia, por causa do medo relacionado ao uso direto do gás ozônio em organismos vivos.
As propriedades bactericidas, antifúngicas, cicatrizantes, e anti-inflamatórias atribuídas aos óleos tratados com ozônio derivam, comprovadamente, da presença de triozonídeos e outros compostos oxigenados gerados durante o processo de ozonização. Os triozonídeos, em particular, são moléculas com muito oxigênio que se formam quando o ozônio se liga a ligações duplas e depois muda de forma, mostrando uma atividade importante contra microrganismos. Estes compostos são capazes de causar danos às membranas celulares bacterianas, promover a oxidação de componentes intracelulares essenciais, e modular a resposta inflamatória em tecidos lesados, explicando os efeitos observados em diversos modelos biológicos.
Portanto, a ciência atual mostra que os benefícios dos “óleos ozonizados” não vêm do ozônio em si, mas dos produtos estáveis que se formam quando o ozônio reage, especialmente os triozonídeos. Essa distinção é fundamental não apenas para a nomenclatura correta desses bioativos, mas também para o seu enquadramento regulatório e a aceitação científica e clínica de sua utilização. A reavaliação do termo “óleo ozonizado” em favor de expressões como “óleo bioativado por ozonólise” ou “óleo enriquecido com triozonídeos” pode contribuir significativamente para a desmistificação do uso desses compostos e favorecer seu desenvolvimento como agentes terapêuticos eficazes e seguros.
Dr. Adilson Beatriz
E-mail: adilson.beatriz@ufms.br
Pesquisador do CIBSint-INQUI-UFMS
English
Debunking the Myth: What’s Actually in the So-Called “Ozonated Oils”
The Reaction of Ozone with Unsaturated Oils: Generation of Oxygenated Derivatives and the Nature of the Observed Biological Activities
Ozone (O₃) reacts with unsaturated molecules to create oxygen-rich products that have different physical and chemical characteristics, as shown in many scientific studies. Ozone combines with the double bonds in the aliphatic chains of vegetable oils high in unsaturated fatty acids, such as oleic, linoleic, and linolenic acids, to produce various oxygenated chemicals, including triozonides, peroxides, and aldehydes.
The figure below depicts how ozone reacts with a generic unsaturated fatty acid, cleaving the double bond to form triozonides (5) and other oxygenated compounds. One of the reaction intermediates, intermediate 2, can also combine with water, alcohols, or carboxylic acids to produce hydroperoxides (4).

Figure 1. Representation of ozonolysis in unsaturated fatty acids.
When discussing so-called “ozonated oils,” it is vital to note that ozone gas, an unstable and extremely reactive chemical, is not preserved in the completed product. The ozonolysis process consumes all of the ozone, resulting in the formation of stable or semi-stable oxygenated compounds. The phrase “ozonated oil” is misleading because it indicates that the completed product contains free ozone. Concerns about the direct application of ozone gas in biological systems have resulted in resistance, particularly among pharmaceutical and medical specialists.
Ozonated oils can kill germs, fight fungi, heal wounds, and reduce inflammation because they create triozonides and other oxygen-rich molecules during the ozonation process. Triozonides are unique compounds that contain a large amount of oxygen and can react violently with microbes; they are formed when ozone joins with double bonds and then changes form through oxidation. The effects seen in many biological studies are due to these chemicals’ ability to oxidize important parts inside cells, break down bacterial cell membranes, and change how the body responds to inflammation in injured tissues.
So, scientists believe that the healing benefits of “ozonated oils” come from stable substances made during ozonolysis, especially triozonides, instead of the actual molecular ozone being present. This distinction determines the precise naming of these bioactive compounds, as well as their regulatory classification and broad scientific and clinical acceptability. Using terms like “bioactivated oil by ozonolysis” or “triozonide-enriched oil” instead of “ozonated oil” could make it much easier to use these compounds and help advance their development as safe and effective medicines.
Dr. Adilson Beatriz
E-mail: adilson.beatriz@ufms.br
Researcher at CIBSint-INQUI-UFMS
Suggested References
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